Cientistas aproveitam uma única molécula para sondar o núcleo do átomo

27
Cientistas aproveitam uma única molécula para sondar o núcleo do átomo

Durante décadas, os físicos procuraram desvendar os segredos guardados no núcleo de um átomo, empregando tradicionalmente colisores de partículas massivos e complexos para bombardear os núcleos com eletrões. Estas instalações, muitas vezes abrangendo quilómetros, aceleram os electrões a velocidades incrivelmente elevadas numa tentativa de compreender os blocos de construção fundamentais da matéria. No entanto, um novo estudo propõe uma abordagem radicalmente diferente: utilizar os próprios electrões de um átomo como “mensageiros” em miniatura dentro de uma única molécula, criando uma nova forma de estudar interacções nucleares sem a necessidade de enormes infra-estruturas.

Um “Colisor” Molecular

A técnica inovadora da equipe de pesquisa envolve emparelhar um átomo de rádio com um átomo de flúor para formar uma molécula de monofluoreto de rádio. Ao aproveitar as propriedades únicas desta estrutura molecular, eles geraram um “colisor” microscópico onde os elétrons do átomo de rádio penetram momentaneamente em seu núcleo. Os investigadores foram então capazes de medir com precisão as energias destes eletrões dentro da molécula, revelando mudanças subtis que indicavam que os eletrões estavam, de facto, a entrar brevemente no núcleo e a interagir com o seu conteúdo.

Revelando violações de simetria nuclear

Esta descoberta tem um potencial significativo para medir a distribuição magnética de um núcleo, também conhecida como a forma como o seu arranjo de prótons e nêutrons influencia suas propriedades magnéticas. A equipa enfatiza que esta investigação representa um passo inicial, mas prevê a utilização deste método para obter novos conhecimentos sobre o núcleo do rádio e, em última análise, para abordar alguns dos mistérios mais profundos da física.

Um enigma persistente na cosmologia é o forte desequilíbrio entre matéria e antimatéria no Universo observável. Os modelos atuais sugerem que o Universo primitivo deveria conter quantidades aproximadamente iguais de cada um; no entanto, a antimatéria é notavelmente escassa hoje. Os cientistas teorizam que as pistas para esta assimetria podem residir no funcionamento interno de certos núcleos atômicos. O rádio se destaca como um candidato promissor devido ao seu formato incomum, semelhante a uma pêra – uma assimetria que pode amplificar o potencial de observação de violações de simetrias fundamentais.

Desafios e Perspectivas Futuras

Apesar dos resultados promissores, os pesquisadores reconhecem os desafios associados ao estudo do rádio. Sendo um elemento naturalmente radioativo com vida útil curta, as moléculas de monofluoreto de rádio só podem ser produzidas em pequenas quantidades, necessitando de técnicas de medição incrivelmente sensíveis.

“Quando você coloca esse átomo radioativo dentro de uma molécula, o campo elétrico interno que seus elétrons experimentam é muito maior em comparação com os campos que podemos produzir e aplicar em laboratório”, explica Silviu-Marian Udrescu, físico da Universidade Johns Hopkins. “De certa forma, a molécula atua como um colisor de partículas gigante e nos dá uma chance melhor de sondar o núcleo do rádio.”

Ao confinar e resfriar as moléculas de monofluoreto de rádio e, em seguida, utilizar lasers para medir as energias dos elétrons, os pesquisadores foram capazes de detectar mudanças sutis nos dados indicativos de interações nucleares.

“Agora temos provas de que podemos obter amostras do interior do núcleo. É como ser capaz de medir o campo eléctrico de uma bateria. As pessoas podem medir o seu campo no exterior, mas medir no interior da bateria é muito mais desafiante. E é isso que podemos fazer agora,” afirma Ronald Fernando Garcia Ruiz, coautor do estudo físico do MIT.

Esta descoberta poderá transformar fundamentalmente a forma como os físicos estudam os núcleos atômicos, abrindo novos caminhos para explorar as simetrias fundamentais da natureza. A equipe de pesquisa está otimista de que as moléculas contendo rádio provarão ser sistemas excepcionalmente sensíveis para a busca por essas violações de simetria, e agora possuem uma nova ferramenta para realizar essa busca.